Aplicação da desconsideração da personalidade jurídica de empresas em recuperação judicial na Justiça do Trabalho
Adriano Rodrigues Santos
Em que pese a controvérsia sobre a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica de empresas em recuperação judicial na Justiça do Trabalho não ser nova, ela adquiriu novos contornos após as alterações promovidas pela Lei nº 14.112/2020, que incluiu na Lei nº 11.101/2005 dispositivos como o art. 6º-C e o art. 82-A reforçando que o mero inadimplemento ou a crise econômico-financeira da empresa não autorizam, por si sós, o redirecionamento da execução para sócios, administradores ou integrantes de grupo econômico.
A partir dessas mudanças, gerou-se o debate sobre a necessidade de alinhar a atuação da Justiça do Trabalho com as competências atribuídas ao juízo da recuperação, especialmente no âmbito da desconsideração da personalidade jurídica.
Nesse cenário, o Tribunal Superior do Trabalho (“TST”) reconheceu a multiplicidade de decisões divergentes e afetou o Incidente de Recurso de Revista Repetitivo nº 000026-06.2023.5.15.0096 (Tema 26), determinando a suspensão nacional de todos os processos que discutam:
(i) a competência da Justiça do Trabalho para processar e julgar incidentes de desconsideração da personalidade jurídica envolvendo empresas em recuperação judicial;
(ii) a possibilidade de direcionamento imediato da execução para sócios ou administradores, à margem do juízo universal; e
(iii) os requisitos jurídicos específicos para aplicação da desconsideração nesses casos, em especial se deve prevalecer a teoria maior ou a teoria menor.
A matéria, inclusive, foi debatida em audiência pública realizada pelo TST no último dia 13 de novembro, o que evidencia a necessidade de consolidar entendimento uniforme.
É importante ressaltar que, mesmo antes da afetação do Tema 26, a doutrina já apontava desconformidade entre a aplicação da teoria menor da desconsideração, tradicionalmente adotada na esfera trabalhista e que permite alcançar o patrimônio dos sócios mesmo sem a prova de fraude ou abuso de direito, e os limites estabelecidos pela legislação recuperacional.
Doutrinadores indicam que a adoção da teoria menor pode, na prática, inviabilizar o plano de recuperação, romper a lógica de igualdade entre credores e desorganizar os passivos sujeitos ao concurso. Nesse contexto, a medida seria prejudicial aos próprios trabalhadores, já que impede o efetivo seguimento da sociedade empresária em crise e, consequentemente, a manutenção dos postos de trabalho.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (“STF”), em especial a decisão do Ministro Gilmar Mendes proferida em julgamento da reclamação constitucional 83.535/SP publicada em 2 de setembro de 2025, reconheceu a ilegalidade e impossibilidade de prosseguimento da execução em qualquer momento, na Justiça Laboral, perante sócios de sociedade em recuperação judicial, reforçando essa perspectiva e sinalizando tendência de maior centralização no juízo cível responsável pelo processo recuperacional.
A questão, no entanto, não se resume a mero conflito de competência, mas envolve o debate mais profundo sobre a finalidade da recuperação judicial, a preservação da empresa e a tutela do crédito trabalhista.
O cenário atual exige cautela dos empregadores e de seus representantes legais, pois, em que pese a recente decisão do STF, a simples existência de recuperação judicial não é garantia de blindagem automática do patrimônio dos sócios, especialmente nos casos em que há comprovada confusão patrimonial ou desvio de finalidade. Por outro lado, a atuação da Justiça do Trabalho no redirecionamento de execuções tende a diminuir, ao menos até que o TST firme tese vinculante no Tema 26, o que é medida compatível com as finalidades e pressupostos da Lei nº 11.101/2005.
Do ponto de vista prático, recomenda-se atenção às movimentações no processo de recuperação e à eventual instauração de incidentes de desconsideração, especialmente aqueles que indiquem confusão patrimonial, esvaziamento de ativos ou abuso da personalidade jurídica, situações que, independentemente da recuperação, continuam sendo aptas a justificar a responsabilização dos sócios conforme dispõe a Lei de Recuperação Judicial.
Adriano Rodrigues Santos
Advogado da Equipe Trabalhista do VLF Advogados
(1) BRASIL. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 9 fev. 2005. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm. Acesso em: 18 nov. 2025.
(2) BRASIL. Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020. Altera as Leis nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005; 10.522, de 19 de julho de 2002; e 8.929, de 22 de agosto de 1994, para atualizar a legislação referente à recuperação judicial, extrajudicial e à falência do empresário e da sociedade empresária. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 dez. 2020. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14112.htm. Acesso em: 18 nov. 2025.
(3) BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Tema 026 – Incidente de desconsideração da personalidade jurídica em face de empresa em recuperação judicial e competência da Justiça do Trabalho. RR-24462-27.2023.5.24.0000 e RR-761-72.2022.5.06.0000. Relator: (---). Órgão Julgador: SBDI-1. Afetado em 24 out. 2024. Disponível em: https://www.tst.jus.br/documents/10157/0/IRR026+%282%29.pdf/8f043046-758c-6220-d338-e675638f1dfe?t=1730748718337. Acesso em: 18 nov. 2025.