Sem saídas tributadas, sem crédito: STJ delimita regra para ICMS do ativo permanente
Arthur Martins Sousa Resende
Em 16 de outubro, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) julgou o Agravo em Recurso Especial nº 2.449.390/MG (1), interposto pela Transportadora Associada de Gás S.A. (“TAG”) contra o Estado de Minas Gerais. Na ocasião, o STJ estabeleceu importante precedente sobre as regras de apropriação de créditos de ICMS decorrentes da aquisição de bens para o ativo permanente. A Corte decidiu que o aproveitamento desses créditos está estritamente condicionado à existência de operações de saída tributadas no mesmo período, negando a possibilidade de acúmulo de créditos durante a fase pré-operacional da empresa.
O direito ao crédito de ICMS sobre bens destinados ao ativo fixo, conhecido como “crédito financeiro”, não deriva diretamente do princípio constitucional da não cumulatividade, mas é direito previsto na Lei Complementar nº 87/1996, a Lei Kandir. A lei buscou incentivar investimentos, permitindo que o imposto pago na compra de máquinas e equipamentos fosse recuperado. Contudo, a própria lei estabeleceu regras específicas para esse aproveitamento, notadamente a apropriação fracionada à razão de 1/48 avos por mês e cálculo que leva em conta as operações da empresa. O debate jurídico intensificou-se em torno da interpretação dessas regras para empresas em fase de implantação, que realizam vultosos investimentos antes de iniciar suas vendas.
A TAG integrou ativo imobilizado consistente em dutos utilizados na instalação de linhas de transmissão de gás, e foi ao Judiciário após ter seus créditos de ICMS glosados pelo fisco mineiro, acreditando ter direito ao creditamento de ICMS em razão da incorporação do ativo. A contribuinte sustentou que os artigos 19 e 20 da Lei Kandir asseguram o direito ao crédito a partir da entrada do bem no estabelecimento, devendo ser apropriado em 48 parcelas mensais. A empresa argumentou que, nos meses em que ainda não possuía faturamento (período pré-operacional), apenas acumulou os créditos em sua escrita fiscal para utilizá-los quando iniciasse as operações tributadas, conduta que defendia ser legal por não haver na lei condicionamento expresso do início do creditamento ao início das vendas.
O STJ, por sua vez, declarou a legalidade da autuação fiscal e negou provimento ao recurso da empresa. Relatada pelo Ministro Gurgel de Faria, a decisão considerou que os parâmetros objetivos, expressos em operações matemáticas, constituem uma fórmula legal, clara e precisa. Deste modo, a considerou o Ministro que o Judiciário deveria ater-se à literalidade dos critérios, respeitando as definições do legislador. Portanto, o ponto central da fundamentação de seu entendimento foi o caráter matemático da previsão legal do inciso III do § 5º do art. 20 da Lei Kandir. Segundo a Corte, essa fórmula determina que o valor do crédito a ser apropriado pelo contribuinte mensalmente resulta de operação de multiplicação, em que um dos fatores é diretamente condicionado à relação entre o valor das operações de saídas e prestações tributadas e o total das operações de saídas e prestações realizadas no período.
Com base nessa premissa, o STJ concluiu que, na ausência de operações de saída tributadas, um dos fatores da multiplicação se torna zero, o que, por consequência aritmética, zera o montante do crédito a ser apropriado no respectivo mês. Assim, validou-se o entendimento de que não é possível apropriar ou acumular qualquer valor de crédito de ICMS sobre o ativo permanente em períodos nos quais a empresa ainda não realiza operações comerciais tributadas.
Conforme a justificativa do voto, sendo o crédito financeiro direito instituído pela lei complementar, é a própria lei que detém a prerrogativa de estabelecer os limites para o seu aproveitamento. O STJ ressaltou que qualquer inconformismo com as limitações impostas pela Lei Kandir deve ser direcionado ao legislador infraconstitucional, e não ao Judiciário, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes.
O julgamento do AREsp nº 2.449.390/MG representa, portanto, marco na interpretação das regras de ICMS acerca do creditamento sobre ativo imobilizado. Ao validar a glosa dos créditos no período pré-operacional, o STJ privilegiou a interpretação literal e restritiva da norma, em detrimento de abordagem mais finalística ou econômica. Assim, a decisão consolida o entendimento de que a apropriação mensal do crédito é indissociável da existência de faturamento tributado no mesmo período, enquanto expresso critério limitativo do creditamento, tornando mais rígido o regime de aproveitamento e exigindo maior planejamento financeiro-tributário das empresas em fase de investimento.
Por outro lado, subverte a própria lógica da norma jurídica, uma vez que o sentido extraído da interpretação literal do tratamento da Lei Kandir, em relação ao crédito financeiro relacionado a ativos imobilizados, desfavorece e desincentiva o investimento e a consolidação de infraestrutura produtiva e industrial, sobretudo, na fase pré-operacional, notadamente marcada por tais empenhos. Além de, ao diferenciar o crédito físico do crédito financeiro, romper de forma desarrazoada com a sistemática constitucional da não-cumulatividade no tratamento de tributo expressamente não-cumulativo, especialmente tendo em vista a ausência de norma específica infraconstitucional para as aquisições na fase pré-operacional.
Diante desse precedente, as empresas, especialmente em setores de infraestrutura e indústria pesada, devem voltar a atenção para o cronograma de seus investimentos. A análise tributária criteriosa torna-se fundamental, pois a recuperação do ICMS sobre o ativo fixo só terá início efetivo com o começo das operações, impactando diretamente o fluxo de caixa planejado para a implantação de novos projetos.
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Arthur Martins Sousa Resende
Estagiário da Equipe de Consultoria Tributária do VLF Advogados
(1) STJ. AREsp nº 2449390/MG. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=2449390&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO. Acesso em: 24 de out. 2025.