O prazo para ajuizamento de ação rescisória e suas controvérsias
Gabrielle Aleluia e Sofia Garbarino Nogueira
O termo inicial do prazo para ajuizamento de ação rescisória é questão de relevante debate no ordenamento jurídico brasileiro. Na vigência do Código de Processo Civil (“CPC”) de 1973, o termo inicial do prazo decadencial de dois anos contava-se da data do trânsito em julgado da decisão rescindenda, nos termos do art. 495 do referido diploma legal (1). Todavia, com a edição da Súmula 401 (2), o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) consolidou o entendimento de que a contagem do prazo se inicia com o trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, mesmo que não relacionada ao mérito rescindível.
Essa orientação ignora a ideia de coisa julgada parcial e parte do pressuposto de que “se a sentença é una, indivisível e só transita em julgado como um todo após decorrido in albis o prazo para a interposição do último recurso cabível”, não havendo que se falar “no trânsito em julgado da sentença rescindenda até que o último órgão jurisdicional se manifeste sobre o derradeiro recurso” (3). Sob esse enfoque, não seria possível a tramitação de várias rescisórias relativas ao mesmo processo, ainda que os capítulos da decisão tenham sido questionados e impugnados em recursos, momentos e tribunais diferentes.
O CPC de 2015 adotou esse entendimento ao estabelecer que “o direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo” (CPC, art. 975). Porém, há discussão sobre qual seria essa decisão, considerando a possibilidade de decisão parcial de mérito.
O Supremo Tribunal Federal (“STF”), por exemplo, já decidiu pela possibilidade do fracionamento do julgamento de mérito, e, portanto, da coisa julgada parcial, com prazos diferentes para o ajuizamento da ação rescisória contra cada um dos capítulos autônomos da decisão. Nesse sentido, ao julgar o RE 666.589/DF (4), em 2014, concluiu que a Súmula 401 do STJ seria inconstitucional por violar o art. 5º, XXXVI, da Constituição (5).
Ao tratar do assunto, Humberto Theodoro Júnior ensina que o prazo para propositura da rescisória de determinada decisão seria iniciado do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo apenas nos casos em que essa última decisão tenha força prejudicial sobre a decisão parcial de mérito anteriormente resolvida de forma definitiva. Se não houver prejudicialidade entre as decisões, cada uma deve transitar em julgado separadamente, e o prazo para ajuizamento da ação rescisória deverá fluir de forma autônoma (6).
A perspectiva apresentada por Fredie Didier Júnior segue lógica semelhante (7). Para o jurista, há duas interpretações possíveis para a expressão “última decisão proferida no processo”, quais sejam, (i) a última decisão entre todas as possíveis no processo e (ii) a última decisão sobre a questão que se tornou indiscutível pela coisa julgada.
A partir da primeira interpretação, o prazo para ajuizar a ação rescisória contra decisão parcial seria indefinido, uma vez que seu início dependeria do término do processo. Para Didier, essa interpretação atenta contra a segurança jurídica, na medida em que situações estabilizadas há longos períodos poderiam ser revistas. A segunda interpretação, por sua vez, seria compatível com o ordenamento jurídico, em consonância com a ideia de coisa julgada parcial, o sistema recursal e os princípios da segurança jurídica, da boa-fé processual e da igualdade.
Como se vê, há divergência de entendimento quanto ao termo inicial do prazo para o ajuizamento da ação rescisória. Enquanto parte da doutrina e da jurisprudência sustentam que o prazo deve se iniciar a partir do trânsito em julgado da decisão parcial, em observância à autonomia da coisa julgada, outra corrente defende a contagem apenas após o trânsito em julgado da última decisão do processo, em respeito à unidade processual. É necessário assim, que os profissionais do direito estejam atentos.
Na visão de Humberto Theodoro Júnior, “como em matéria de direito infraconstitucional a última palavra é do STJ, a interpretação do art. 975 que prevalece, atualmente, é a do prazo único para o ajuizamento da rescisória, em caso de julgamento fracionado do mérito da causa, contado a partir do trânsito em julgado, não de cada decisão, mas da última proferida no processo (Súmula nº 401/STJ)” (8). Esse entendimento coaduna com o posicionamento adotado pelo STF em precedente mais recente, que classificou a matéria como infraconstitucional e destacou que “decisões isoladas do Supremo Tribunal Federal não podem retroagir para prejudicar a parte que confiou na jurisprudência dominante e sumulada do Superior Tribunal de Justiça, agora positivada no art. 975 do CPC/2015” (9).
Assim, ao que parece, o entendimento que prevalece é o do STJ (10), de prazo único para ajuizamento da ação rescisória, que se inicia do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo.
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Gabrielle Aleluia
Coordenadora da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Sofia Garbarino Nogueira
Estagiária da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) CPC/1973, Art. 495. O direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.
(2) Súmula 401/STJ. O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.
(3) PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO RESCISÓRIA - PRAZO DECADENCIAL - ART. 495 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - TERMO A QUO - TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO PROFERIDA SOBRE O ÚLTIMO RECURSO INTERPOSTO, AINDA QUE DISCUTA APENAS A TEMPESTIVIDADE DE RECURSO - PRECEDENTES - EMBARGOS REJEITADOS. I - Já decidiu esta Colenda Corte Superior que a sentença é una, indivisível e só transita em julgado como um todo após decorrido in albis o prazo para a interposição do último recurso cabível, sendo vedada a propositura de ação rescisória de capítulo do decisum que não foi objeto do recurso. Impossível, portanto, conceber-se a existência de uma ação em curso e, ao mesmo tempo, várias ações rescisórias no seu bojo, não se admitindo ações rescisórias em julgados no mesmo processo. II - Sendo assim, na hipótese do processo seguir, mesmo que a matéria a ser apreciada pelas instâncias superiores refira-se tão somente à intempestividade do apelo - existindo controvérsia acerca deste requisito de admissibilidade, não há que se falar no trânsito em julgado da sentença rescindenda até que o último órgão jurisdicional se manifeste sobre o derradeiro recurso. Precedentes. III - No caso específico dos autos, a questão sobre a tempestividade dos embargos de declaração opostos contra sentença que julgou procedente o pedido do autor refere-se à alteração do serviço de intimação dos atos judiciais, que antes era feita pelo correio para o advogado residente em outra capital, e que posteriormente passou a ser por meio de publicação de edital. IV - Prevalecendo o raciocínio constante nos julgados divergentes, tornar-se-ia necessária a propositura de ação rescisória antes da conclusão derradeira sobre o feito, mesmo que a matéria pendente se refira à discussão processual superveniente V - Desconsiderar a interposição de recurso intempestivo para fins de contagem do prazo decadencial para a propositura de ação rescisória seria descartar, por completo, a hipótese de reforma do julgado que declarou a intempestividade pelas instâncias superiores, negando-se a existência de dúvida com relação à admissibilidade do recurso. VI - Embargos de divergência rejeitados. (STJ, Corte Especial, EREsp nº 441.252/CE, Rel. Min. Gilson Dipp, 18.12.06)
(4) COISA JULGADA – ENVERGADURA. A coisa julgada possui envergadura constitucional. COISA JULGADA – PRONUNCIAMENTO JUDICIAL – CAPÍTULOS AUTÔNOMOS. Os capítulos autônomos do pronunciamento judicial precluem no que não atacados por meio de recurso, surgindo, ante o fenômeno, o termo inicial do biênio decadencial para a propositura da rescisória. (STF, 1ª Turma, RE 666.589, Rel. Min. Marco Aurélio, 03.06.14)
(5) Art. 5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.
(6) JÚNIOR, Humberto T. Curso de Direito Processual Civil. v. 3. 58. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025. E-book. p. 839. ISBN 9788530995638. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530995638/. Acesso em: 15 out. 2025.
(7) DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de Direito Processual Civil: o processo civil nos tribunais, recursos, ações de competência originária de tribunal e querela nullitatis, incidentes de competência originária de tribunal. 13. ed. reform. Salvador: JusPodivm, 2016. v. 3. p. 462.
(8) JÚNIOR, Humberto T. Curso de Direito Processual Civil. v. 3. 58. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2025. E-book. p. 833. ISBN 9788530995638. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/reader/books/9788530995638/. Acesso em: 22 out. 2025.
(9) Processo civil. Agravo interno em agravo em recurso extraordinário com agravo. Ação rescisória. Alegada formação da coisa julgada por capítulos. Decadência. 1. Agravo em que se impugna acórdão do Superior Tribunal de Justiça que, aplicando a Súmula 401 de sua jurisprudência dominante, afirmou que o direito de ajuizar ação rescisória contra capítulos decisórios autônomos de sentença decai somente com o trânsito em julgado da última decisão proferida nos autos. 2. Não possui natureza constitucional a controvérsia acerca da correta contagem de prazo decadencial para a propositura de ação rescisória. O exame dos pressupostos de admissibilidade da ação rescisória depende da análise da legislação processual. 3. Ainda que assim não fosse, decisões isoladas do Supremo Tribunal Federal não podem retroagir para prejudicar a parte que confiou na jurisprudência dominante e sumulada do Superior Tribunal de Justiça, agora positivada no art. 975 do CPC/2015. 4. Agravo interno provido, para desprover o recurso extraordinário com agravo. (STF, 1ª Turma, ARE 1081785 SP 0542472-13 .2010.8.26.0000, Rel. Min. Marco Aurélio, 15.12.21)
(10) AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO RESCISÓRIA. TERMO INICIAL DO PRAZO DECADENCIAL. ÚLTIMO PRONUNCIAMENTO JUDICIAL DO QUAL NÃO CAIBA RECURSO. SÚMULA 401/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Nos moldes da Súmula 401 desta Corte, "o prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial". 2. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que o prazo decadencial para a propositura de ação rescisória se inicia com o trânsito em julgado da decisão proferida no último recurso interposto, ainda que dele não se tenha conhecido, salvo se identificada hipótese de flagrante intempestividade, erro grosseiro ou má-fé, o que não ficou caracterizado na hipótese. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp: 887897 RJ 2016/0070743-8, Rel. Min. Raul Araújo, 18.12.19)