TCEMG consolida entendimentos sobre a Nova Lei de Licitações em Estudo Temático abrangente
Matheus Emiliano
O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais (“TCEMG”), por meio de sua Coordenadoria de Sistematização de Deliberações e Jurisprudência (“CSDJ”), lançou Estudo Temático sobre a Lei nº 14.133/2021 (1), a Nova Lei de Licitações e Contratos Administrativos. O Estudo Temático percorre os mais variados aspectos da Lei nº 14.133/2021, desde sua abrangência até as sanções aplicáveis. A seguir, uma análise detalhada dos capítulos mais relevantes e das consultas que solidificaram o posicionamento do TCEMG.
1) Abrangência da Lei nº 14.133/2021
A nova legislação, em seu art. 1º, detalhou de forma expressa seu campo de aplicação, alcançando as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes federativos, além dos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário no desempenho de função administrativa. O TCEMG, ao analisar a questão, enfrentou dúvidas sobre situações limítrofes. Na Consulta nº 1104768, a Corte de Contas mineira estabeleceu que os serviços notariais e de registro, embora sejam serviços públicos delegados, não se submetem ao regime de licitações. O Tribunal fundamentou que a relação entre a Administração Pública, como usuária, e os cartórios não é contratual, mas tributária, baseada no recolhimento de emolumentos, o que afasta a necessidade de procedimento licitatório ou de contratação direta, bem como a exigência de certidões de regularidade fiscal.
Outro ponto de grande relevância foi esclarecido na Consulta nº 1127733, que tratou da obrigatoriedade de licitar por parte de entidades privadas sem fins lucrativos que recebem recursos públicos. O TCEMG, alinhando-se à interpretação evolutiva da matéria, firmou a tese de que tais entidades não estão obrigadas a seguir o rito da Lei nº 14.133/2021 em suas contratações. Contudo, a ausência do dever de licitar não significa ausência de controle. O Tribunal ressaltou que, ao utilizarem verbas públicas, essas entidades devem observar os princípios norteadores da Administração Pública, especialmente a impessoalidade, a moralidade e a economicidade, o que pode ser alcançado, por exemplo, por meio de cotação prévia de preços, garantindo a escolha da proposta mais vantajosa.
2) O privilégio ao planejamento das contratações
A Lei nº 14.133/2021 elevou o planejamento ao status de princípio, dedicando um capítulo inteiro à fase preparatória. A introdução de instrumentos como o Estudo Técnico Preliminar (“ETP”) e o Plano de Contratações Anual reflete a intenção do legislador de tornar as contratações mais eficientes e alinhadas às necessidades públicas. A importância do ETP foi objeto da Consulta nº 1102289, na qual o TCEMG definiu que, em regra, a elaboração do documento é obrigatória em todas as modalidades de licitação, por ser a base para a definição da melhor solução para a demanda administrativa. No entanto, o Tribunal admitiu que o ETP pode ser dispensado em situações específicas, como em contratações diretas ou quando suas finalidades já foram atendidas por outros meios, desde que a decisão seja devidamente justificada nos autos do processo.
A complexidade do planejamento também foi analisada nas Consultas nº 1157390 e nº 1161167, que versaram sobre a “quarteirização” no serviço de gerenciamento de frota de veículos. O TCEMG considerou lícita a contratação de empresa para gerenciar a manutenção e o abastecimento da frota, mas impôs condições rigorosas. A decisão exige que a adoção desse modelo seja precedida de robusto Estudo Técnico Preliminar que demonstre a vantajosidade econômica e a eficiência da quarteirização em comparação com outras soluções, como o gerenciamento interno ou o credenciamento direto de oficinas. Ademais, o Tribunal enfatizou a necessidade de ampla pesquisa de mercado e de fiscalização contínua do contrato, abrangendo inclusive a relação entre a empresa gerenciadora e as credenciadas.
3) Procedimento e julgamento: inovações e esclarecimentos
A Lei nº 14.133/2021 extinguiu as modalidades convite e tomada de preços e introduziu o diálogo competitivo, além de ter consolidado o pregão. A escolha da modalidade passou a ser definida pela natureza do objeto, e não mais pelo seu valor. Nesse novo cenário, o TCEMG foi instado a se manifestar sobre diversas situações práticas. Na Consulta nº 1164226 definiu-se que a outorga de uso de bem público pode ser realizada por meio de pregão ou concorrência, utilizados de forma “invertida”, ou seja, com base no critério do maior preço ou maior oferta à Administração. Já na Consulta nº 1148649, o Tribunal estabeleceu que a contratação de serviços técnicos especializados de engenharia para fiscalização de obras deve, em regra, ser feita por concorrência, com critério de julgamento de “melhor técnica” ou “técnica e preço”, vedando-se o uso do pregão para tais objetos.
Outras questões relevantes foram a aquisição de bens por permuta com torna, prática vedada quando envolver particulares, conforme a Consulta nº 1153260, que determinou que o procedimento correto é a alienação do bem usado por leilão e a posterior aquisição do novo por licitação. A Corte também analisou a publicidade dos atos, esclarecendo na Consulta nº 1161140 que a publicação de extrato do edital pode se dar no Diário Oficial da União, do estado ou do município, não sendo necessária a publicação cumulativa.
4) Procedimentos auxiliares: credenciamento e sistema de registro de preços
A Lei nº 14.133/2021 formalizou procedimentos que já eram utilizados, como o credenciamento, e aprimorou o sistema de registro de preços (“SRP”). Sobre o credenciamento, o TCEMG, na Consulta nº 1148861, admitiu sua utilização para a contratação de artistas locais, na hipótese de contratação paralela e não excludente (art. 79, I), desde que demonstrada a vantajosidade para a Administração. Na Consulta nº 1098394, o Tribunal também validou o uso do credenciamento, na modalidade com seleção a critério de terceiros (art. 79, II), para operacionalizar programas de aquisição de material escolar por meio de cartão de débito.
Em relação ao SRP, as consultas analisadas durante o período de transição normativa foram de especial importância. Nas Consultas nº 1160667, nº 1164219 e outras, o TCEMG firmou a tese de que é possível aderir, mesmo após o fim da vigência da legislação antiga, a uma ata de registro de preços celebrada sob a égide da Lei nº 8.666/1993, desde que o processo de adesão siga as regras da norma que regeu a ata. Esta decisão, baseada no princípio da ultratividade, garantiu a segurança jurídica e a continuidade das contratações. O Tribunal também vedou, na Consulta nº 1144882, a utilização concomitante dos procedimentos de credenciamento e registro de preços, por possuírem naturezas e finalidades conflitantes.
5) Vedações e sanções: moralidade e impessoalidade
O art. 14 da Lei nº 14.133/2021 ampliou e detalhou as vedações à participação em licitações, com destaque para a proibição envolvendo parentes de agentes públicos. A Consulta nº 1098262 esclareceu que essa vedação alcança empresas cujos sócios sejam cônjuges, companheiros ou parentes (até 3º grau) de agentes políticos com função de direção no órgão contratante ou que atuem na licitação. A Consulta nº 1141490 complementou o entendimento, especificando que a proibição é restrita aos agentes do órgão ou entidade que efetivamente realiza o processo de contratação, e não a qualquer servidor da Administração Pública em geral.
Ao consolidar os entendimentos firmados ao longo dos primeiros quatro anos de vigência da Lei nº 14.133/2021, o Tribunal promove a uniformidade na aplicação da lei, reforçando a segurança jurídica. A análise dos pareceres demonstra esforço contínuo da Corte em equilibrar o rigor formal da legislação com as realidades práticas da gestão pública, sempre com o objetivo de garantir a eficiência, a moralidade e a consecução do interesse público.
Matheus Emiliano
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) A íntegra do estudo temático está disponível em: https://www.tce.mg.gov.br/IMG/Estudo_Tematico_Agosto_2025____II.pdf. Acesso em: 28 out. 2025.