Não há prazo decadencial para impetração de mandado de segurança em face de obrigação tributária sucessiva, decide STJ
Yuri Brizon
Em 10 de setembro, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) finalizou o julgamento do Tema Repetitivo 1.273, em que se buscava definir o marco inicial do prazo decadencial para impetração do mandado de segurança, com o objetivo de impugnar obrigação tributária que se renova periodicamente.
Até então, o panorama da jurisprudência do STJ demostrava que o debate girava em torno do suposto caráter continuativo das relações de direito material tributário subjacentes aos mandados de segurança, cuja decadência se buscava aferir. Uma vez admitida ou negada tal premissa, cada corrente da Corte Superior determinava o regime da decadência do referido remédio constitucional: quem entendia haver relações de trato sucessivo concluía pela tempestividade do mandado de segurança (1); quem lhes negava tal qualidade declarava a perda do prazo para a impetração (2).
A Fazenda Pública sustentava que o aspecto temporal da obrigação tributária surgiria com a publicação da norma que a institui, constituindo ato único de efeitos concretos e permanentes na esfera patrimonial do contribuinte, de modo que o prazo para impetração do mandado de segurança iniciaria com a publicação das normas ante a configuração de ato comissivo único de efeitos permanentes.
Ou seja, para a Administração Pública, o mandado de segurança teria natureza repressiva, pois seria o ato normativo que modificaria o status quo do contribuinte. Todavia, essa conclusão é incompatível com o enunciado nº 266 da Súmula do Supremo Tribunal Federal (“STF”), segundo o qual “não cabe mandado de segurança contra lei em tese”.
Isso ocorre porque a lei em tese não lesa, por si só, qualquer direito individual. Desse modo, torna-se necessária a conversão da norma abstrata em ato concreto, para expor-se à impetração, mas nada impede que, na sua execução, venha a ser declarada inconstitucional pela via do mandamus.
De acordo com Hugo de Brito Machado Segundo (3):
Num mandado de segurança no qual se demonstra a inconstitucionalidade de uma lei que cria determinado tributo, e se pretende afastar o ato ilegal e abusivo da autoridade que irá executar essa mesma lei, não se questiona a validade da lei em tese, mas sim a sua aplicação pela autoridade, que exerce atividade plenamente vinculada. Basta, portanto, que o impetrante comprove a ocorrência dos fatos que autorizam a aplicação da lei, para restar demonstrado o seu justo receio de que essa aplicação aconteça.
Portanto, a impetração é preventiva e se baseia no justo receio do contribuinte na formalização do ato administrativo do lançamento em razão do caráter vinculado e obrigatório da norma jurídica tributária de incidência, devendo ser apontada como autoridade coautora quem for responsável pela aplicação da norma, e não a responsável por sua edição.
Não é possível cogitar a configuração da decadência antes de a lesão ao direito do contribuinte ser consumada. E esta, em regra, somente acontece com o lançamento ou qualquer ato que lhe seja equiparado.
Esse raciocínio não se altera nos casos de tributos sujeitos ao lançamento por homologação, hipótese em que o contribuinte apura o montante do tributo, antecipa seu pagamento e aguarda a homologação do ato pela autoridade fiscal.
Tal sistemática pode dar a impressão de que a lei se torna operativa imediatamente e, portanto, abre o prazo para a impetração de mandado de segurança único e repressivo contra ela. Contudo, o caráter direto ou indireto do justo receio da ilegalidade não interfere no prazo para o uso do writ, porque ele se conta da prática de cada ato, quando repressivo, ou se abre sempre que o contribuinte estiver na contingência de praticar ato ditado por norma que repute inválida.
Portanto, acertada a decisão da Primeira Seção do STJ definindo que o prazo decadencial do artigo 23 da Lei nº 12.016/2009 (4) não se aplica ao mandado de segurança cuja causa de pedir seja a impugnação de lei ou ato normativo que interfira em obrigações tributárias sucessivas, dado o caráter preventivo da impetração decorrente da ameaça atual, objetiva e permanente de aplicação da norma impugnada.
Para mais informações, procure nossa equipe tributária.
Yuri Brizon
Advogado da Equipe de Consultoria Tributária do VLF Advogados
(1) STJ, Primeira Turma, AgInt no REsp nº 2.097.912/PR, relatora Ministra Regina Helena Costa, julgado em 26/2/2024, DJe de 5/3/2024.
(2) STJ, Segunda Turma, AgInt no REsp nº 1.627.784/GO, relator Ministro Og Fernandes, julgado em 27/8/2019, DJe de 6/9/2019.
(3) SEGUNDO, Hugo de Brito Machado. Processo Tributário. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 364-365.
(4) BRASIL. Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. Brasília, DF, 10 ago. 2009. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm. Acesso em: 19 set. 2025.