Lei Geral do Licenciamento Ambiental: um estudo sobre as novas tipologias de licenças ambientais
Leonardo Alves Corrêa
O licenciamento ambiental constitui, desde a promulgação da Lei nº 6.938/1981, um dos principais instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. À época, o legislador ordinário reconheceu que a preservação ambiental não poderia se limitar a normas abstratas ou a comandos genéricos, sendo necessário criar mecanismo administrativo capaz de condicionar a instalação e operação de atividades potencialmente poluidoras à análise prévia dos impactos ambientais.
Todavia, a legislação original não ofereceu detalhamento procedimental. Limitou-se a inserir o licenciamento no rol de instrumentos da política ambiental, sem estabelecer tipologias de licenças, ritos ou critérios uniformes. Esse vazio normativo levou à consolidação, no plano prático, do chamado modelo trifásico, posteriormente reconhecido pela Resolução CONAMA nº 237/1997 como paradigma nacional.
Nesse modelo:
> a Licença Prévia (“LP”) é concedida na fase de concepção, atestando a viabilidade ambiental da localização e estabelecendo requisitos básicos;
> a Licença de Instalação (“LI”) autoriza a execução das obras, desde que cumpridas as condicionantes da LP, e incorpora medidas de controle ambiental;
> a Licença de Operação (“LO”) é emitida após a verificação do cumprimento integral das obrigações anteriores, autorizando o funcionamento da atividade.
A Resolução CONAMA nº 237/1997, além de reafirmar essa estrutura, introduziu em seu art. 12 a possibilidade de procedimentos diferenciados, a serem definidos pelo órgão licenciador conforme a natureza do empreendimento. Essa previsão abriu espaço para inovações estaduais, que passaram a experimentar modalidades alternativas, como licenças unificadas, corretivas ou por adesão. Entretanto, a ausência de lei federal específica gerava insegurança jurídica, sobretudo em projetos de grande porte, onde investidores questionavam a legitimidade de procedimentos criados por normas infralegais.
Nesse cenário, a Lei nº 15.190/2025, ou Lei Geral do Licenciamento Ambiental, representa um marco. Ao consolidar práticas já aplicadas em estados e elevá-las a patamar legal, a lei promove maior uniformidade, previsibilidade e segurança jurídica, além de adequar o licenciamento às diferentes realidades setoriais.
Novas tipologias de licenças ambientais
Licença Ambiental Única
A Licença Ambiental Única (“LAU”) consiste em procedimento simplificado em que a análise de viabilidade e a autorização para instalação e operação ocorrem em uma única etapa. Essa modalidade unifica as atribuições da LP, LI e LO em ato administrativo único, cabendo ao órgão licenciador definir o estudo ambiental exigível.
A crítica central à LAU reside na percepção de que se trataria de flexibilização excessiva da tutela ambiental. Todavia, a racionalidade da LAU deve ser examinada sob a ótica da natureza do impacto. O modelo trifásico é adequado em setores cujos impactos são difusos e permanentes, como mineração e indústrias pesadas, em que a operação representa o ápice do risco ambiental. Entretanto, em outros empreendimentos, a fragmentação do processo em três fases pouco agrega em termos de controle ambiental.
Exemplo paradigmático é o de rodovias: os impactos concentram-se na fase de traçado e execução da obra, não na operação, que se limita à manutenção. O mesmo raciocínio vale para linhas de transmissão de energia, em que os efeitos ambientais mais relevantes decorrem da instalação, não do funcionamento. Nessas hipóteses, exigir LP, LI e LO em separado pode representar apenas onerosa duplicação procedimental, sem ganhos de proteção.
Importa destacar que a LAU não constitui inovação absoluta: estados como Minas Gerais já vinham aplicando modelo semelhante, legitimado agora no plano nacional.
Licença Ambiental Corretiva
O licenciamento ambiental é concebido como instrumento preventivo, razão pela qual a Constituição exige estudo prévio de impacto ambiental para atividades potencialmente causadoras de significativa degradação. Entretanto, situações fáticas demonstram que, por vezes, empreendimentos são instalados sem licença prévia, seja por omissão estatal, seja por conduta irregular do empreendedor.
A Licença Ambiental Corretiva (“LAC”) surge, portanto, como resposta normativa a essa anomalia. Seu objetivo não é analisar a viabilidade de projeto futuro, mas regularizar empreendimentos já existentes, ajustando suas operações aos padrões ambientais.
Na prática, a LAC funciona como mecanismo de regularização ambiental: o espaço de deliberação da autoridade licenciadora é mais limitado, pois não se trata de negar a existência de atividade já consolidada, mas de condicionar sua continuidade a obrigações ambientais estritas. Caso haja manifestação favorável, deve ser firmado termo de compromisso entre empreendedor e órgão licenciador antes da emissão da licença corretiva.
Importante: a LAC não deve ser interpretada como anistia. O empreendedor pode ser responsabilizado por danos ambientais ocorridos antes da regularização, em consonância com os princípios da responsabilidade objetiva e da reparação integral. Muitos estados já aplicavam soluções análogas por meio de termos de ajustamento de conduta (“TACs”).
Licença por Adesão e Compromisso
A Licença por Adesão e Compromisso (“LACr”) constitui modalidade de licenciamento ambiental desenhada para racionalizar procedimentos administrativos e reduzir a sobrecarga decorrente da tramitação de processos padronizados e repetitivos nos órgãos ambientais.
Nesse modelo, a autorização administrativa decorre da manifestação de vontade do empreendedor, que formaliza a adesão a requisitos previamente definidos pela autoridade competente e assume o compromisso de observá-los. A partir dessa declaração, é emitida autorização imediata para a implantação e operação de atividades classificadas como de baixo impacto ambiental, caracterizadas por riscos conhecidos e passíveis de controle mediante medidas técnicas já consolidadas.
A lógica regulatória da LACr consiste em transferir o eixo do controle da etapa prévia e individualizada de análise para o monitoramento a posteriori, mediante fiscalização. Essa alteração não implica redução da proteção ambiental, mas sim realocação estratégica de esforços institucionais: empreendimentos de maior simplicidade procedimental são processados de forma célere, enquanto atividades de maior complexidade continuam submetidas a avaliação aprofundada.
São exemplos típicos de enquadramento em LACr intervenções de pequeno porte, tais como, postos de gasolina, oficinas de manutenção mecânica de baixa capacidade ou atividades análogas, cujos impactos são localizados e restritos. Nesses casos, a exigência de estudos ambientais extensos se mostraria desproporcional em relação ao potencial de impacto envolvido.
Licença Ambiental Especial
A Licença Ambiental Especial (“LAE”) é voltada a empreendimentos estratégicos de infraestrutura, cuja relevância nacional exige celeridade decisória sem comprometer o rigor técnico.
Prevista na Lei Geral e regulamentada pela Medida Provisória nº 1.308/2025, a LAE é ato administrativo complexo que autoriza, em um único processo, a localização, instalação e operação de obras de grande porte, como:
> portos públicos;
> ferrovias de integração logística;
> usinas hidrelétricas acima de 30 MW;
> complexos industriais integrados;
> corredores de escoamento agrícola e mineral.
Características estruturantes da LAE:
> Natureza jurídica: autorização única, acompanhada de condicionantes ambientais rigorosas.
> Critérios de enquadramento: definidos em decreto, com base em proposta do Conselho de Governo respaldada por equipe técnica.
> Prioridade administrativa: todos os órgãos envolvidos devem analisar processos de forma prioritária e simultânea, evitando fragmentação.
> Rito processual: etapas encadeadas (TR, estudos ambientais, manifestações externas, audiência pública única, decisão final).
> Prazo máximo: 12 meses após a entrega do EIA/RIMA completo.
A grande inovação da LAE é a integração obrigatória das manifestações externas (Funai, IPHAN, ICMBio, órgãos hídricos etc.), que devem ser apresentadas dentro do rito único. Isso evita a paralisia causada por exigências sucessivas e descoordenadas, típica do modelo tradicional.
Considerações finais
A Lei Geral do Licenciamento Ambiental inaugura novo paradigma regulatório. Ao consolidar tipologias diferenciadas de licença em lei federal, o legislador buscou reduzir inseguranças, alinhar práticas estaduais e conferir maior racionalidade ao processo.
Cada modalidade de licença ambiental possui uma função específica dentro do novo marco regulatório. A LAU busca unificar procedimentos nos casos em que os impactos se concentram em etapa determinada do empreendimento, evitando a fragmentação excessiva do processo. A LAC, por sua vez, foi criada para regularizar empreendimentos já instalados sem licença prévia, garantindo sua adequação às normas ambientais sem excluir a responsabilização por eventuais danos passados. Já a LACr destina-se a atividades de baixo impacto, adotando modelo simplificado que transfere o foco para a fiscalização posterior. Por fim, a LAE foi concebida para assegurar maior previsibilidade a projetos estratégicos de grande porte, promovendo a integração entre múltiplos órgãos em rito processual único e célere.
Apesar dos avanços trazidos pela Lei Geral do Licenciamento Ambiental, persistem riscos relevantes em sua aplicação. A LAE pode perder efetividade caso número excessivo de empreendimentos seja enquadrado como estratégico, esvaziando seu caráter excepcional. Já a LAU corre o risco de ser vista como flexibilização indevida, sobretudo quando aplicada a atividades de elevado impacto ambiental.
Da mesma forma, a LACr pode levar à banalização do licenciamento caso seus critérios não sejam claramente delimitados, enquanto a LAC pode ser interpretada como forma de anistia, caso não fique clara a responsabilização por danos anteriores. Esses pontos evidenciam a necessidade de regulamentação criteriosa e fiscalização eficiente para que a lei alcance seus objetivos sem comprometer a tutela ambiental.
O êxito da lei dependerá, portanto, da capacidade institucional dos órgãos ambientais, da qualificação técnica dos estudos e da transparência processual, de modo a garantir que a eficiência administrativa não se converta em enfraquecimento da tutela ambiental.
Leonardo Alves Corrêa
Sócio-executivo da Equipe de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados