Programa Crédito do Trabalhador: novo modelo impõe obrigações mensais aos empregadores e centraliza a gestão do crédito consignado diretamente em folha
Adriano Rodrigues Santos
Em maio de 2025, com a entrada em vigor do Programa Crédito do Trabalhador instituído pela Medida Provisória nº 1.292/2025, os empregadores do setor privado passaram a assumir nova e relevante responsabilidade: registrar no eSocial os descontos decorrentes de empréstimos consignados contratados por trabalhadores celetistas, empregados domésticos, rurais e diretores não empregados com vínculo ao FGTS, junto a instituições financeiras devidamente habilitadas.
Regulamentada pela Portaria MTE nº 435/2025, a inovação colocou o crédito consignado privado no centro da gestão da folha de pagamento, exigindo integração entre diversas plataformas como CTPS Digital, eSocial, FGTS Digital, Domicílio Eletrônico Trabalhista (“DET”) e o Portal Emprega Brasil.
Para orientar os empregadores quanto à execução correta das obrigações, o Ministério do Trabalho e Emprego (“MTE”) disponibilizou o Manual de Orientação do Empregador (ou Manual Operacional do Empregador), documento oficial que detalha minuciosamente todos os procedimentos que devem ser observados na escrituração, no recolhimento das guias, na utilização do Portal Emprega Brasil e no correto lançamento de eventos no eSocial.
Na prática, o trabalhador agora pode contratar diretamente o consignado, mediante simulação e escolha de proposta no aplicativo da CTPS Digital ou nos canais das instituições financeiras, sem a necessidade de convênio prévio entre banco e empresa.
Após a contratação, a instituição consignatária informa ao consignante e ao empregador, através do DET e do Portal Emprega Brasil entre os dias 21 e 25 de cada mês, os valores e dados do contrato, possibilitando às empresas procederem ao lançamento no eSocial, respeitando o limite de até 35% da remuneração disponível do empregado, nos termos da Portaria nº 435/2025 e do Manual do Empregador.
Compete também ao empregador monitorar mensalmente o Portal Emprega Brasil, baixar os arquivos atualizados com os dados dos contratos e aplicar corretamente os descontos na folha de pagamento, além de comunicar ao trabalhador de imediato se houver qualquer desconto parcial por insuficiência de margem consignável ou erro de processamento.
Nesse sentido, empresas que deixarem de escriturar corretamente os descontos, atrasarem ou omitirem o recolhimento das guias do FGTS Digital ou gerarem inconsistências no eSocial, poderão ser responsabilizadas civilmente por perdas e danos junto ao trabalhador e à instituição financeira, além de estarem sujeitas a sanções administrativas e penais (art. 3º, §5º da Lei nº 10.820/2003).
Diante desse cenário, é fundamental que os empregadores se mantenham atualizados e adotem procedimentos mensais de conferência e controle, assegurando o correto cumprimento de todas as etapas do processo, desde a contratação do crédito até uma eventual rescisão contratual, sempre em conformidade com a legislação vigente, notadamente a Medida Provisória nº 1.292/2025, a Portaria MTE nº 435/2025, a Lei nº 10.820/2003 e o Manual disponibilizado pelo MTE.
Essa mudança vai além da modernização no acesso ao crédito consignado, refletindo transformação significativa na atuação dos empregadores, que deixam de ser apenas intermediários, para se tornarem agentes centrais na operacionalização da contratação e no controle dos pagamentos das parcelas mensais.
Por outro lado, ainda restam dúvidas importantes que merecem atenção dos empregadores. Uma delas diz respeito à ordem dos descontos aplicados na folha de pagamento, uma vez que o Manual do Empregador se limitou a informar que a remuneração disponível para o consignado deve ser calculada após o desconto de valores obrigatórios, como INSS, IRRF e descontos compulsórios (como pensão alimentícia, por exemplo), aplicando sobre esse valor o limite de 35% destinado ao pagamento do empréstimo contratado.
Contudo, o principal questionamento surge quando o empregado possui descontos voluntários, como plano de saúde e auxílio-creche, por exemplo. Considerando que a CLT, em seu artigo 82, estabelece que os descontos na folha não podem ultrapassar 70% da remuneração do trabalhador, o que deverá ser priorizado se após o desconto do consignado não houver saldo suficiente para desconto referente aos benefícios?
Portanto, observa-se que ainda não está claro qual deve ser a prioridade entre os descontos obrigatórios, consignados e voluntários, exigindo regulação mais específica e atenção dos empregadores até que o tema seja pacificado pela jurisprudência ou por regulamentação complementar.
Nesse contexto, o MTE disponibilizou canais oficiais de atendimento voltados ao esclarecimento de dúvidas sobre a operacionalização do Programa Crédito do Trabalhador, incluindo orientações acerca da emissão de guias, escrituração de eventos no eSocial, entre outros procedimentos, especialmente quanto a pontos em que ainda subsistem lacunas.
Adriano Rodrigues Santos
Advogado da Equipe Trabalhista do VLF Advogados
(1) BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria MTE nº 435, de 20 de março de 2025. Estabelece procedimentos para a operacionalização do Programa Crédito do Trabalhador. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 21 mar. 2025. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/legislacao/portarias-1/portarias-vigentes-3/PDFPortariaMTEn435de20demarode2025compiladaem04.04.2025.pdf. Acesso em: 22 jun. 2025.
(2) BRASIL. Presidência da República. Medida Provisória nº 1.292, de 12 de março de 2025. Institui o Programa Crédito do Trabalhador e altera dispositivos legais sobre crédito consignado no setor privado. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 13 mar. 2025. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2023-2026/2025/mpv/mpv1292.htm. Acesso em: 22 jun. 2025.
(3) BRASIL. Presidência da República. Lei nº 10.820, de 17 de dezembro de 2003. Dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, 18 dez. 2003. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.820.htm. Acesso em: 22 jun. 2025.
(4) BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Manual de Orientação do Empregador: Programa Crédito do Trabalhador. Versão 2.0. Brasília, DF, 16 maio 2025. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/servicos/empregador/fgtsdigital/manual-e-documentacao-tecnica/manual-operacional-do-empregador-programa-credito-do-trabalhador-v2-16-05-25.pdf. Acesso em: 22 jun. 2025.
(5) BRASIL. Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial da União: seção 1, Rio de Janeiro, RJ, 9 ago. 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm. Acesso em: 22 jun. 2025.