Junho e a Agenda Azul: o Brasil entre a Lei do Mar e a UNOC3
Géssica Ribeiro
Entre os dias 9 e 13 de junho, ocorreu a Terceira Conferência das Nações Unidas sobre o Oceano (“UNOC3”), em Nice, na França, organizada pelos governos da França e da Costa Rica (1). A UNOC3 teve como foco a Implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14 (“ODS 14”), que trata da conservação e do uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (“ONU”), e como propósito impulsionar ações urgentes e complementares voltadas à efetivação da ODS 14, além de buscar novas formas e meios de apoio à sua implementação.
O Brasil assumiu um papel de destaque na agenda mundial de oceano e clima, com ênfase para a iniciativa, juntamente com a França, de incluir o oceano no centro do debate climático global (2), com o lançamento do Blue NDC Challenge, traduzido como Desafio das NDCs Azuis. A iniciativa convida os países a incluírem metas específicas de proteção oceânica nas atualizações de suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (“NDCs”), que deverão ser apresentadas até a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (“COP30”), prevista para novembro, em Belém, no estado do Pará.
Além disso, o Brasil defendeu uma pausa precatória na mineração marinha, bem como a ratificação do Acordo relativo à Conservação e ao Uso Sustentável da Biodiversidade Marinha em Áreas além da Jurisdição Nacional (“BBNJ”, na sigla em inglês), também denominado Tratado sobre a Biodiversidade em Águas Internacionais ou Tratado do Alto Mar (3). O referido tratado tem por finalidade assegurar a conservação, tanto imediata quanto de longo prazo, e o uso sustentável da biodiversidade marinha em áreas situadas além das zonas econômicas exclusivas (“ZEE”) dos países, abrangendo aproximadamente metade da superfície oceânica do planeta, por meio de um regime jurídico internacional voltado à governança dos bens comuns globais.
O Brasil também aderiu à iniciativa global Mangrove Breakthrough, ação multissetorial para ampliar a proteção e o financiamento dos ecossistemas de manguezais (4). A iniciativa tem como objetivo impulsionar ações e investimentos de governos, empresas e organizações da sociedade civil para proteger 15 milhões de hectares de manguezais em todo o mundo até 2030.
Por outro lado, o Brasil não assinou o Acordo Global contra a Poluição Plástica nos Oceanos, o chamado “Apelo de Nice”, que tem como objetivo impulsionar um Tratado Global contra a poluição plástica e que conseguiu a adesão de 95 países. A justificativa oficial do Ministério do Meio Ambiente foi a preocupação com o impacto econômico das medidas nos países produtores de petróleo, como o Brasil, e que os países desenvolvidos querem impor a redução da produção de plástico sem propor o financiamento correspondente aos países em desenvolvimento.
No âmbito nacional, e em alinhamento com grande parte dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no campo da governança marinha, foi aprovado, em 27 de março de 2025 na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 6.969/2013, conhecido como Lei do Mar. A proposta institui a Política Nacional para a Gestão Integrada, a Conservação e o Uso Sustentável do Sistema Costeiro-Marinho (“PNGCMar”), estabelecendo marco normativo voltado à ordenação do espaço marinho brasileiro, à proteção da biodiversidade e ao uso sustentável dos recursos naturais costeiros e oceânicos. A aprovação antecedeu a participação do Brasil na UNOC3.
Essa iniciativa alinha-se com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, especialmente no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (“CNUDM”) e da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Posteriormente, o texto será enviado para o Senado.
Outras políticas relevantes lançadas recentemente pelo Ministério do Meio Ambiente (“MMA”) foram o Programa Nacional de Conservação e Uso Sustentável dos Manguezais do Brasil (“ProManguezal”), instituído pelo Decreto nº 12.045/2024 e a Estratégia Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável dos Recifes de Coral (“ProCoral”), instituída pelo Decreto nº 12.486/2025 e apresentada na UNOC3. O Brasil também está elaborando o Planejamento Espacial Marinho (“PEM”), cuja conclusão está prevista para até o ano de 2030, e constitui instrumento de ordenamento territorial aplicado ao ambiente marinho, buscando integrar as políticas públicas e planejamentos setoriais, de modo a orientar a ocupação e o uso do espaço oceânico conforme as especificidades ecológicas, sociais e econômicas de cada região. Busca-se, com isso, prevenir a degradação de ecossistemas sensíveis e conferir maior segurança jurídica às atividades econômicas desenvolvidas nesse meio, tais como a pesca, o transporte marítimo, o turismo e a geração de energia.
Segundo os dados do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (“IPCC”), órgão internacional que avalia a ciência relacionada às mudanças climáticas e que fornece a base científica para que os governos de todos os níveis desenvolvam políticas relacionadas ao clima e fundamentem as negociações na Conferência do Clima da ONU, o oceano absorve 91% do excesso de calor no planeta, funcionando como um amortecedor natural da crise climática.
A participação ativa do Brasil na UNOC3 e o avanço de políticas nacionais como a Lei do Mar, o ProManguezal e o ProCoral refletem tendência relevante do país no cenário da governança marinha e na formulação de estratégias voltadas à preservação dos ecossistemas costeiros e oceânicos. As ações reforçam o papel estratégico do país na agenda ambiental global.
Para acompanhar os desdobramentos dessas iniciativas e outras pautas sobre meio ambiente, clima e sustentabilidade, fique atento às próximas matérias da equipe de direito ambiental e negócios sustentáveis do VLF Advogados.
Géssica Ribeiro
Advogada da Equipe de Direito Ambiental e Negócios Sustentáveis do VLF Advogados
(1) Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. 3ª Conferência do Oceano da ONU. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/composicao/smc/unoc3. Acesso em: 24 jun. 2025.
(2) Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Em Nice, Brasil e França lançam iniciativa para incluir oceano no centro do debate climático global. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/em-nice-brasil-e-franca-lancam-iniciativa-para-incluir-oceano-no-centro-do-debate-climatico-global. Acesso em: 24 jun. 2025.
(3) Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Brasil defende Tratado do Alto Mar para fortalecer conexão entre oceano, clima e biodiversidade. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/brasil-defende-tratado-do-alto-mar-para-fortalecer-conexao-entre-oceano-clima-e-biodiversidade. Acesso em: 24 jun. 2025.
(4) Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima. Brasil anuncia adesão à Mangrove Breakthrough, iniciativa global para proteção de manguezais. Disponível em: https://www.gov.br/mma/pt-br/noticias/brasil-anuncia-adesao-a-mangrove-breakthrough-iniciativa-global-para-protecao-de-manguezais. Acesso em: 24 jun. 2025.