A impossibilidade de utilização da Súmula nº 308 do STJ por analogia aos casos envolvendo garantia por alienação fiduciária
Gabrielle Aleluia e Lucas de Oliveira Pignataro Claudino
Em 2005, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) editou a Súmula nº 308, segundo a qual “a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda, não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel”.
A súmula foi editada num cenário em que existiam diversos litígios envolvendo imóveis adquiridos no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (“SFH”) (1), que foram hipotecados pela Construtora Encol. Claramente, o intuito da súmula era garantir, nesse tipo de relação, a proteção da parte vulnerável, assegurando-lhe o direito de moradia. Assim, adotou-se o entendimento de que a hipoteca firmada entre a construtora e o agente financeiro não seria eficaz perante os adquirentes.
Para melhor compreensão da súmula, destacam-se dois momentos distintos: i) o estabelecimento da garantia hipotecária em favor do agente financeiro; e ii) a celebração de promessa de compra e venda do imóvel celebrada pela construtora com terceiros adquirentes. Independentemente da ordem cronológica entre esses eventos, o entendimento firmado pelo STJ foi o de que a hipoteca não produzirá efeitos contra os promitentes compradores. Para Marcelo de Oliveira Milagres, trata-se de “um verdadeiro privilégio creditório” instituído pelo STJ aos adquirentes.
Desde a sua edição, a Súmula nº 308 do STJ tem sido objeto de diversas controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais quanto à sua interpretação e aplicação. Tanto é que o STJ precisou consolidar entendimento no sentido de que ela só se aplica aos casos envolvendo imóveis adquiridos pelo SFH. Outra discussão diz respeito a sua aplicação, por analogia, aos casos envolvendo garantia por alienação fiduciária (2) e não hipoteca.
Em recente decisão, a Quarta Turma do STJ, sob relatoria do Ministro Antonio Carlos Ferreira, concluiu que a Súmula nº 308 não pode ser aplicada por analogia nesses casos, pois, na hipoteca, o devedor negocia o imóvel na condição de proprietário, o que não acontece na alienação fiduciária, que se caracteriza justamente pela transferência da propriedade do bem pelo devedor fiduciante ao credor fiduciário, até a quitação integral da dívida. Isso significa que a negociação do bem garantido fiduciariamente, sem anuência expressa do credor fiduciário, configura a venda a non domino, que não produz efeitos em relação ao proprietário. Além disso, segundo o relator, a aplicação analógica causaria insegurança jurídica e econômica nos contratos de alienação fiduciária, aumentando o custo do crédito, o que prejudicaria demasiadamente os consumidores.
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Gabrielle Aleluia
Coordenadora da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
Lucas de Oliveira Pignataro Claudino
Estagiário da Equipe de Contencioso Cível do VLF Advogados
(1) O SFH, instituído em 1964, corresponde a uma política pública criada com a finalidade de combater o déficit habitacional urbano – um problema social histórico no Brasil, que perdura até os dias atuais. Nesse sentido, o art. 8º da Lei nº 4.380/1964 estabelece que sua prioridade é “facilitar e promover a construção e a aquisição da casa própria ou moradia, especialmente pelas classes de menor renda da população”.
(2) O conceito de alienação fiduciária de bem imóvel encontra-se disposto no art. 22 da Lei nº 9.514/1997, que a define como “negócio jurídico pelo qual o fiduciante, com o escopo de garantia de obrigação própria ou de terceiro, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel”.