TCU decide: certidão emitida pelo MTE que aponte descumprimento de reserva de cargos para PCD não é suficiente para inabilitar o licitante
Matheus Emiliano e Maria Tereza Fonseca Dias
Em decisão recente, o Tribunal de Contas da União (“TCU”) analisou representação sobre possíveis irregularidades em pregão eletrônico conduzido pela Agência Nacional de Telecomunicações (“Anatel”), trazendo importante esclarecimento sobre os requisitos de habilitação relacionados à reserva de cargos para pessoas com deficiência (“PCD”), reabilitados da Previdência Social e aprendizes. O Acórdão nº 523/2025 – Plenário (1), de relatoria do Ministro Jorge Oliveira, destaca que a certidão emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (“MTE”), por si só, não é suficiente para a inabilitação dos licitantes.
O caso teve origem em representação interposta junto à Corte de Contas, alegando que a licitante declarada vencedora teria apresentado declaração falsa sobre o cumprimento das cotas previstas em lei. A Lei nº 14.133/2021, Nova Lei de Licitações e Contratos, exige, na fase de habilitação, que o licitante apresente declaração de que cumpre as exigências de reserva de cargos para PCDs e reabilitados da Previdência Social, conforme previsto na Lei nº 8.213/1991.
A representante baseou sua alegação em certidões do MTE que indicariam o não cumprimento das cotas pela licitante vencedora. Diante dos indícios, foi concedida medida cautelar para suspender a assinatura do contrato e foram realizadas oitivas da Anatel e da vencedora do certame.
Em sua manifestação, a Anatel, com base em parecer de sua Procuradoria Federal Especializada (“PFE”), esclareceu que a autodeclaração do licitante é válida para fins de habilitação, sendo que, em caso de questionamento, a administração deve avaliar a documentação comprobatória apresentada pela empresa. O ponto central destacado é que a Lei nº 14.133/2021 exige a declaração, e não deve ser confundida com a necessidade de apresentação de certidão do MTE que comprove o cumprimento efetivo do percentual estabelecido.
Assim, a certidão emitida pelo MTE não é suficiente, por si só, para inabilitar a licitante. O parecer da PFE-Anatel e a decisão do TCU reforçam que, caso haja comprovação de que a empresa buscou dar atendimento às exigências legais, mesmo que não tenha exitado momentaneamente por circunstâncias alheias à sua vontade, os requisitos podem ser considerados atendidos. Ao entendimento da Corte de Contas, a melhor interpretação do preenchimento do requisito de habilitação pede que se avalie a destinação de postos de trabalhos às pessoas com deficiência e se a empresa está efetivamente empreendendo esforços para preencher essas vagas.
Um fator crucial para essa interpretação é o caráter dinâmico dos resultados das proporções de empregados cotistas, decorrente da constante oscilação da força de trabalho nas empresas. A própria certidão do MTE menciona que as informações são atualizadas semanalmente e podem apresentar defasagem em relação aos dados mais recentes do e-Social, logo, a certidão não necessariamente reflete a atual situação da empresa quanto ao preenchimento da reserva de vagas exigida legalmente.
Nos autos, restou comprovado que a licitante vencedora realizava esforços para contratar essas pessoas, como anúncios de vagas em redes sociais e jornais, e mantinha contrato com o Centro de Integração Empresa-Escola (“CIEE”) para contratação de aprendizes. Essa evidência de esforço está em linha com o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (“TST”), que afasta a responsabilidade da empresa pelo insucesso na contratação desde que o esforço seja comprovado.
Diante das evidências apresentadas, o TCU concluiu que, mesmo com a existência de certidão do MTE que em dado momento apontava o não cumprimento, outras provas demonstraram a veracidade da declaração prestada pela licitante vencedora. Os agentes da Anatel não desconsideraram a certidão inicial, mas apuraram a questão por meio de diligências e análise jurídica, concluindo pela suficiência da documentação.
Assim, caso contestado o descumprimento da reserva de vagas, cabe ao responsável pelo certame agir com a cautela necessária para esclarecer a situação, devendo prevalecer a busca pelas demais informações apresentadas pelo licitante, cabendo, inclusive, instituir diligência prevista no art. 64 da Nova Lei de Licitações e Contratos para melhor apuração das condições de habilitação da licitante declarada vencedora.
Matheus Emiliano
Advogado da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
Maria Tereza Fonseca Dias
Sócia-executiva da Equipe de Direito Administrativo e Regulatório do VLF Advogados
(1) Disponível em: https://pesquisa.apps.tcu.gov.br/documento/acordao-completo/*/NUMACORDAO%253A523%2520ANOACORDAO%253A2025%2520COLEGIADO%253A%2522Plen%25C3%25A1rio%2522%2520/DTRELEVANCIA%2520desc%252C%2520NUMACORDAOINT%2520desc/0. Acesso em: 23 mai. 2025.