STF anula decisão do CARF e reafirma entendimento acerca da licitude da terceirização em atividade-fim
Victoria Portela
A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (“STF”) julgou a Reclamação Constitucional nº 71838 (1), ajuizada para anular decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) sobre terceirização em atividade-fim e reafirmou a licitude dessa modalidade de contratação.
A referida decisão foi proferida no julgamento do Processo Administrativo nº 10983.720180/2013-18, em que se discutia possível existência de vínculo de emprego na contratação de engenheiros por uma empresa de projetos para prestação de serviços relacionados à atividade-fim do estabelecimento.
No julgamento do Processo Administrativo nº 10983.720180/2013-18, a 2ª Turma da Câmara Superior do CARF manteve a autuação do contribuinte por falta de recolhimento das contribuições previdenciárias. O órgão administrativo entendeu que estariam presentes os elementos da relação empregatícia, quais sejam a pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação jurídica, o que indicaria que a contratação de pessoa jurídica para prestação de serviços relacionados à atividade-fim da contratante teve como objetivo esconder a vinculação previdenciária. Considerou, então, haver simulação.
Todavia, a Suprema Corte entendeu que a decisão do CARF contrariou a jurisprudência já pacificada sobre o tema e reiterou que a terceirização em atividade-fim não é, por si só, indício de fraude.
De acordo com o voto do Ministro Cristiano Zanin, as autoridades administrativas afastaram a escolha dos envolvidos pela utilização de pessoas jurídicas a partir de mera suposição de vulnerabilidade dos profissionais, em desacordo com as garantias de liberdade econômica e de organização das atividades produtivas.
Com a anulação da decisão do CARF, o processo administrativo retorna à instância de origem para novo julgamento.
O STF admitiu a licitude da prática de terceirização da atividade-fim no julgamento do Tema 725 de repercussão geral (2). Na ocasião, foi fixada a seguinte tese:
É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante.
A matéria já havia sido objeto de discussão na ADPF 324/DF (3), julgada procedente para assentar a licitude da terceirização de atividade-fim ou meio.
No mesmo sentido, o STF também declarou constitucional o artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 no julgamento da ADC 66/DF (4) e manifestou o entendimento de que é válida a prestação de serviços de natureza intelectual através de pessoa jurídica.
Não obstante o entendimento pacificado, a Receita Federal e o CARF se mostram relutantes em reconhecer a possibilidade de terceirização em atividade-fim, por entender que a modalidade de contratação tinha como objetivo dissimular relação de emprego.
Ainda em 2024, o órgão administrativo proferiu número considerável de decisões desconsiderando contratos de prestação de serviços intelectuais por pessoas jurídicas, ao reconhecer a existência de vínculo empregatício e determinar o recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes. É o que se observa nos Acórdãos 2201-011.416 (5) e 2401-011.574, por exemplo.
O resultado do julgamento pelo STF enfatiza o entendimento já consolidado pela Corte de que a terceirização não implica, necessariamente, na precarização das relações trabalhistas, mas representa modalidade legítima de contratação que se pauta pelos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência, pilares da ordem econômica prevista na Constituição.
A decisão é relevante para garantir previsibilidade e segurança jurídica nas relações empresariais, ao mesmo tempo em que reforça a obrigação de que a Receita Federal e o CARF sigam os precedentes obrigatórios, sob pena de nulidade dos atos.
Dessa forma, a expectativa é de que os órgãos administrativos passem a adotar, de maneira uniforme, a compreensão dos Tribunais Superiores sobre a flexibilização das relações de trabalho, com o objetivo de afastar a cobrança de contribuições previdenciárias e de Imposto de Renda retido na fonte em contratos de terceirização.
De forma correlata, em 14 de abril de 2025, o Ministro Gilmar Mendes determinou a suspensão, em todo o país, dos processos relacionados à contratação de pessoas jurídicas para a prestação de serviços, devido ao descumprimento recorrente, por parte da Justiça do Trabalho, do entendimento já consolidado pelo STF. A decisão foi proferida no âmbito do Agravo em Recurso Extraordinário nº 1532603 (6), afetado no Tema de Repercussão Geral 1.389, em que se discute a validade destes contratos e a competência da Justiça do Trabalho para julgá-los.
Para mais informações, a equipe tributária do VLF está à disposição.
Victoria Portela
Advogada da Equipe de Consultoria Tributária do VLF Advogados
(1) Rcl 71838 AgR, Relator(a): CRISTIANO ZANIN, Primeira Turma, julgado em 24-02-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 27-02-2025 PUBLIC 28-02-2025
(2) RE 958252, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 30-08-2018, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-199 DIVULG 12-09-2019 PUBLIC 13-09-2019
(3) ADPF 324, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 30-08-2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-194 DIVULG 05-09-2019 PUBLIC 06-09-2019
(4) ADC 66, Relator(a): CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 21-12-2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-053 DIVULG 18-03-2021 PUBLIC 19-03-2021
(5) Acórdão 2201-011.416, Relator Fernando Gomes Favacho, 1ª Turma Ordinária da 2ª Câmara da 2ª Seção de Julgamento. Data de julgamento: 07/02/2024. Data da publicação: 12/03/2024.
(6) ARE 1532603 RG, Relator(a): GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 11-04-2025, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-130 DIVULG 23-04-2025 PUBLIC 24-04-2025